Depois da
criança, há o Adolescente. É a mais bela idade, pelo menos aos meus olhos, a
mais perturbadora, a mais perturbada também, e isso dá a ela um encanto a mais.
Não se sabe
exatamente quando começa e quando termina. É mais um processo que um estado.
Geralmente começa pelos 12/13 anos para as meninas, 13/14 para os meninos (os
“pré adolescentes”) e termina lá pelos 20 (os jovens adultos). A puberdade, que
se estende por vários anos, serve de ponto de referência ou de bascula, sem que
se possa com tudo se reduzir a adolescência a uma simples transformação
fisiológica. Mesmo assim, que transformação! O desenvolvimento dos órgãos
genitais, o aparecimento dos caracteres sexuais secundário (os seios que se
desenvolvem nas meninas, a voz que muda nos meninos,...) a fecundidade que se
instala, o crescimento que se acelera, o corpo inteiro que se modifica... Por
muito menos já estaríamos desequilibrados. Mas há também a relação com os pais,
que já não é a mesma, a relação com os amigos, a relação com a sexualidade, a
relação consigo mesmo e com o mundo... Você se questiona, se procura se impõe.
É a idade dos contrastes, das contradições, dos conflitos, inclusive internos.
Tudo se mistura. Narcisismo e generosidade, exaltação e melancolia, conformismo
e revolta, solidão e espírito de grupo, timidez e excentricidade sede de
absoluto e reconhecimento... Como a vida é difícil, incerta, hesitante! Você já
não é criança, ainda não é adulto. Você não é,
torna-se. Acampa provisoriamente no provisório, na impermanência, no inacabado.
É a única eternidade verdadeira. Você ainda não sabe disso. Gostaria de parar.
Gostaria de avançar. Procura o próprio caminho do jeito que dá, entre a família
e os amigos, entre o já não e o ainda não, como em transito no eterno
vir-a-ser. Não finge ter chegado. Finge um pouco você mesmo, é bem preciso (se
não, como vir a sê-lo?), mas sem acreditar totalmente nisso. Tudo é mais
trágico que sério. Com 17 anos não somos frívolos, somos impacientes, estamos
cansados. Os pais dizem que é o crescimento, os estudos as noitadas longas de
mais... Mas é sobre tudo porque a vida é cansativa, chata, decepcionante,
porque ainda nos falta treino ou resignação. Entediamo-nos muito. Estamos
cheios de desejos e inquietações. Não somos felizes. E gostamos bastante disso.
“A melancolia,” dizia Hugo, “é a felicidade de estar tristes”. Essa felicidade
se parece com a adolescência, que é a idade romântica por excelência (a única
idade, diria eu, que o romantismo é outra coisa que não mentira ou bobagem).
Você odeia a sua família, a sociedade, a terra inteira. Prefere seus sonhos.
Prefere seus ideais. É a idade das grandes revoltas, das grandes raivas, dos
grandes desesperos (o suicídio é, entre os adolescentes a segunda causa de
mortes, logo depois dos acidentes automobilísticos), dos grandes sentimentos,
dos grandes ódios. Você se firma opondo-se. É o espírito da adolescência, que
sempre nega, e talvez seja o próprio espírito. Azar dos pais. Sorte da
humanidade. “Quando são pequenas,” escrevia Oscar Wilde, “as crianças gostam
dos pais. Mas tarde julgam-nos. Às vezes elas os perdoam”. A adolescência é a
hora desse julgamento; a maturidade desse perdão. Mas não avancemos rápido
demais. Primeiro é preciso julgar, condenar, queimar o que adoramos matar o
pai, ferir a mãe, partir os ídolos e os simulacros, transgredir os tabus e os
interditos. Como eu dizia, não nascemos livres, tornamo-nos livres. A
adolescência é o momento desse tornar-se
e dessa libertação. Isso doi. Isso causa medo. Isso faz bem. Você não sabe onde
está. Não sabe para onde vai. Sabe menos do que quer do que o que recusa, menos
o que espera do que o que teme. Ainda bem que existem os amigos, as amigas, a
música, a solidão! Ainda bem que existem o colégio e as férias! Entediamo-nos
nos dois. Apendemos nos dois. Ainda bem que existem os livros – para aqueles
que ainda lêem – e o cinema! Ainda bem que o tempo passa e dane-se ele nos
leva! Não suportamos esperar. Queremos viver no presente e não sabemos. Estamos
no começo de tudo, exceto da infância. Somos só um esboço; ainda não sabemos
que esse esboço é uma espécie de perfeição, talvez a única que nos será dada,
quase sempre aquela que nos parece conosco (acho que é o meu caso: não há idade
que melhor me reconheço que nos meus 17 anos), que nunca mais nos deixará de
acompanhar, de nos julgar, de nos envergonhar as vezes. Somos imaturos.
Exigentes. Estamos cheios de entusiasmo e de severidade. Cheio de rigor e de
mais ou menos. Cheios de ingenuidade e de desespero. Somos jovens. Grandes.
Enchemos o saco deles. Ai! Como a vida é lenta e como passa depressa!
Tinha escrito
primeiro: “Somos jovens. Belos. Enchemos o saco deles” Mas a beleza, mesmo
durante a adolescência, não é dada para todos. É mais uma injustiça. Mais um
problema. Para muitos, sobretudo perto do fim, a adolescência é a idade
ingrata. Para outros, sobretudo no começo, a idade da graça e da poesia...
Quase todos, contudo, são mais belos do que acham e do que serão mais tarde.
Beleza do diabo ou do anjo, ainda mais impressionante para os adultos, mais
atraentes, mais perturbadora, por ser os dois ao mesmo tempo... Mas os
adolescentes não sabem disso, ou só sabem por ouvir dizer. A juventude só é um
milagre para os velhos.
Lembro-me de
uma noite na casa de amigos, muitos anos atrás. A filha deles então com 14
anos, tinha saído, estava fazendo baby-sitting,
explicaram-me os pais, na casa de vizinhos... Então, logo após a meia-noite,
ei-la que volta para casa, que entra timidamente na sala... Deslumbramento.
Fascinação. Era muito mais que desejo e algo bem diferente. Pela primeira e
última vez na vida vi um Botticelli vivo diante de mim, e não era nem pintura e
nem alucinação! Os anos passaram. A filha dos meus amigos tornou-se uma linda
jovem, segura de si e de sua beleza. Mas sem aquele charme quase sobrenatural
de seus 14 anos, que ela ignorava e que não voltará.
Aquela beleza
era excepcional. O que é bem banal, em contrapartida é o charme da juventude,
especialmente o charme da adolescência, com o que ele tem improvisado,
desajeitado, desgrenhado, frágil espontâneo... Não dura muito. Lembro-me quando
lecionava na universidade das jornadas “Portas Abertas” que organizávamos todo
o ano para alunos do terceiro ano do ensino médio em busca de informações...
Naquele dia algumas dezenas de colegiais vinham se misturar com os nossos
estudantes de primeiro ano, nos corredores e até nas salas de aulas... Não
quardo quase nenhuma recordações dos garotos. Mas das moças sim. Como eram
diferentes das nossas alunas! Contudo tinham apenas um ou dois anos menos. Mas
pareciam mais naturais, mais simples, mais vivas, mais divertidas, mais
surpreendentes... Nossas alunas eram moças que fingiam ser mulheres, ou jovens
mulheres que ainda não tinha apreendido a sê-lo. Muita seriedade e falta de
jeito. Em alguns anos, elas iriam vestir-se melhor, pentear-se melhor,
maquiar-se melhor... Muitas, aos 30 anos serão mais belas que aos 20. Mas a
maioria, aos 20 ou 22 anos, já tinham perdido aquele encanto efêmero e
desengonçado da adolescência, que eu tanto amara quando lecionava no colégio e
que reencontraria por um dia anos mais tarde, incrivelmente intacto e novo...
Talvez eu esteja apenas expondo minhas predileções aqui (embora, desde a
pré-escola, eu só tenha amado mulheres da minha idade). Contudo mesmo que fosse
assim, não se pode negar a diferença. Uma moça e uma garota, um jovem e um
adolescente não são a mesma coisa. Os primeiros começam a envelhecer. Os
segundos ainda não terminaram de crescer completamente. Aqueles estão no mundo
dos adultos. Estes se preparam para entrar nele, lentamente, dificilmente, sem
acreditar totalmente nele.
Como não
teriam um pouco de medo? Gostaríamos de lhes transmitir um pouco de segurança.
A verdade é que não sabemos se devemos invejá-los ou sentir pena deles. Então
falamos de outra coisa. A adolescência desestimula a conversa e a incita. É a
idade dos segredos das confidências, dos sonhos inconfessáveis... Os adultos
não tem acesso a eles, e é bom que seja assim. A infância é um milagre e uma
catástrofe. A adolescência, um mistério e uma promessa. Mas só será possível
cumpri-la mais tarde.
COMTE-SPONVILLE, A. A vida
humana. (C. Berliner, trad) São Paulo: Martins Fontes, 2007. pp. 33-38.
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