segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Um olhar para Idade Média



Não podemos deixar de validar a expressão do poeta, filósofo e humanista italiano, Francesco Petrarca, ao denominar a Idade Média como Idade das Trevas, pois viveu em meio ao caos, na transição entre os períodos Idade Média e Renascimento e assim desejava-se e ansiava-se por mudanças. Embora ache que o Renascimento não seja um período propriamente dito e sim um momento de transição e tensão entre a Idade Média e a Modernidade, mais isso veremos em outra oportunidade.
Podemos compreender que este momento de caos, como disse há pouco, seja chamado por alguns como Idade Média tardia e tenha como início logo após a morte de São Tomás de Aquino, na qual a estrutura da unidade cristã começou a apresentar rachaduras. Surgem fortes críticas vindas do núcleo de Oxford, iniciando com Roger Bacon (1214 – 1292) –um dos mais famosos frades de seu tempo. Bacon dedicou-se aos estudos, aos quais introduziu a observação da natureza e a experimentação como fundamentos do conhecimento natural e, posteriormente, com Duns Scot (1265 – 1308) – Membro da Ordem Franciscana, filósofo e teólogo. Este posicionou-se contrário à São Tomás de Aquino no enfoque da relação entre a razão e a fé. Para Scot, as verdades da fé não poderiam ser compreendidas pela razão.
A filosofia, assim, deveria deixar de ser uma serva da teologia, como vinha ocorrendo ao longo de toda a Idade Média e adquirir autonomia. Guilherme de Ockham (1285 – 1348) – filósofo da lógica e teólogo - defendeu que fé e razão são inconciliáveis e que qualquer tentativa de fundamentar racionalmente o dogma religioso acabaria por destruí-lo. Seu pensamento foi decisivo para o desenvolvimento das ciências experimentais, chegando a John Wyclif (1320 – 1384), teólogo, destacando-se pela firme defesa dos interesses nacionais contra as demandas do papado, ganhando reputação de patriota e reformista. Wyclif afirmava que havia um grande contraste entre o que a Igreja era e o que deveria ser, por isso defendia reformas. Suas ideias apontavam a incompatibilidade entre várias normas do clero e os ensinamentos de Jesus e seus apóstolos – o qual já esboçava uma reforma.
Entretanto, as críticas não vinham apenas das ilhas britânicas, dentro do próprio continente europeu tivemos críticas, vindas da Itália, de Marsílio de Pádua (1250 – 1345) – reitor da faculdade de Paris - sustentando a supremacia do estado sobre quaisquer situações, inclusive a igreja, em Defensor Pracis, de Dante Alighieri (1265 – 1321), escritor, poeta e político italiano. Em seu livro Da Monarquia, defendeu o poder espiritual do papa, mas reservou o poder político ao imperador. Em sua prática política, opôs-se ao expansionismo do papa Bonifácio VIII, obrigado ao exílio por isso e da Boémia, de Johannes Huss (1365 – 1415) – pensador e reformador religioso. Ele iniciou um movimento religioso baseado nas ideias de John Wyclif. Seus seguidores ficaram conhecidos como os Hussitas. A Igreja Católica não perdoou tais rebeliões e ele foi excomungado em 1410, condenado pelo Concílio de Constança, foi queimado vivo.
Podemos ver que neste momento, começa a parecer uma das grandes marcas no homem neste período e do início do renascimento, a dúvida, diálogo que se faz entre a transcendência x imanência. Mas para contemplar e analisar esse diálogo, temos que nos dispor de nossas concepções modernas, uma vez que compreender a Idade Média apenas como um período histórico que separa a antiguidade clássica e Idade Moderna não nos trás o que realmente foi esse período. Entretanto, simplesmente deixar a Idade Média falar por ela mesma, como propõe José Monir Nasser, em seu texto “A Idade Média por ela mesma”, na revista LITERATURA Conhecimento prático, seria recorrer ao mesmo erro de contemplar e analisar este diálogo sem dispor de nossas concepções modernas, embora o texto de Nasser nos traz boas colaborações.
Desta dúvida, podemos começar com uma citação do historiador Johan Huizinga, de seu livro O Outono da Idade Média:
Quando o mundo era meio milénio mais jovem, todos os acontecimentos tinham formas exteriores muito mais profundas do que hoje. Entre a dor e a alegria, entre a desgraça e a fortuna a distância parecia-lhes maior que a nós parece. Todas as experiências da vida conservavam esse grau de espontaneidade e esse caráter absoluto que a alegria e a dor tem ainda no espírito das crianças. Todos os acontecimentos, todo ato estava cercado de precisas e expressivas formas, estava escrito num estilo vital rígido, porem elevado. As grandes contingências da vida – o nascimento, o casamento, a morte – adquiriam com o sacramento respectivo o brilho de um mistério divino. Mas também os pequenos acontecimentos – uma viagem um trabalho uma visita – eram acompanhados de mil bendições (Apud. LITERATURA Conhecimento prático n. 32 p. 20).
Tais características ficam evidentes na arte Gótica, seja através das iluminuras , esculturas, os vitrais, que davam um ar decorativo às representações cristãs. Mas o que mais representa essa dúvida é a arquitetura e a pintura. Dentre elas podemos destacar a Catedral de Sainte Chapelle, que apresenta grandes torres e estruturas pontiagudas, todas rompendo e rasgando o céu e tendo origem na terra, como se pudessem ligar os dois mundos.

a pintura podemos notar que a figura do homem ganha uma grande importância, como podemos ver no quadro O Retiro de São Joaquim entre os pastore (1304 – 1306), de Giotto. Além da figura em destaque ser um santo, como pessoas de aparência comum, é incorporado na figura dos pastores, uma nova imagem em que o ser humano passa a ter de si. Observe como eles são grandes, tendo como referências o resto de elementos disponíveis no quadro. Tal imagem reflete na força que esse novo homem sente e que o torna capaz de muitas conquistas.


 

Podemos ver através das artes a denúncia de um diálogo entre a transcendência e a imanência, o que gera uma dúvida que trás sua principal característica: o confronto entre a luz e a escuridão, a saúde e a enfermidade, o silêncio e o ruído, o divino e o mundano, etc. É também neste período da Idade Média, que começa a surgir um resgate do pensamento da Antiguidade Clássica, mais especificamente com Tomás de Aquino, que irá introduzir e cristalizar o pensamento aristotélico não só na doutrina cristã, mas em todo pensamento ocidental.

Confira nos vídeos abaixo as caracteristicas do homem no final da Idade Média.


Diálogo de Antonius Block com a Morte” tirado do filme
 “O Sétimo Selo” do cineasta sueco Ernst Ingmar Bergman.


Solilóquio de Hamlet na sala de espelhos”, do filme
 “Hamlet”, roteiro do cineasta britânico Kenneth Branagh.


Fontes:

ABRÃO, B. S. História da Filosofia. São Paulo: Nova cultural, 2004.
ABRÃO, B. S. História da Filosofia Da Antiquidade aos pensadores do século XXI. São Paulo: editora Moderna, 2008.
PROENÇA, G. Descobrindo a História da Arte. São Paulo: editora Ática, 2005
LITERATURA Conhecimento Prático: revista mensal de literatura. São Paulo: ed. Escala n. 322, ç. 66 p.



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