Não
podemos deixar de validar a expressão do poeta, filósofo e humanista italiano,
Francesco Petrarca, ao denominar a Idade Média como Idade das Trevas, pois viveu
em meio ao caos, na transição entre os períodos Idade Média e Renascimento e
assim desejava-se e ansiava-se por mudanças. Embora ache que o Renascimento não
seja um período propriamente dito e sim um momento de transição e tensão entre
a Idade Média e a Modernidade, mais isso veremos em outra oportunidade.
Podemos
compreender que este momento de caos, como disse há pouco, seja chamado por alguns
como Idade Média tardia e tenha como início logo após a morte de São Tomás de
Aquino, na qual a estrutura da unidade cristã começou a apresentar rachaduras.
Surgem fortes críticas vindas do núcleo de Oxford, iniciando com Roger Bacon
(1214 – 1292) –um dos mais famosos frades de seu
tempo. Bacon dedicou-se aos estudos, aos quais introduziu a observação da
natureza e a experimentação como fundamentos do conhecimento natural e,
posteriormente, com Duns Scot (1265 – 1308) – Membro
da Ordem
Franciscana, filósofo e teólogo. Este posicionou-se contrário à São Tomás de
Aquino no enfoque da relação entre a razão e a fé. Para Scot,
as verdades da fé não poderiam ser compreendidas pela razão.
A filosofia, assim, deveria deixar de ser uma serva da
teologia, como vinha ocorrendo ao longo de toda a Idade Média e adquirir
autonomia. Guilherme de Ockham (1285 – 1348) – filósofo da lógica e teólogo - defendeu que
fé e razão são inconciliáveis e que qualquer tentativa de fundamentar
racionalmente o dogma religioso acabaria por destruí-lo. Seu pensamento foi
decisivo para o desenvolvimento das ciências experimentais, chegando a
John Wyclif (1320 – 1384), teólogo, destacando-se
pela firme defesa dos interesses nacionais contra as demandas do papado,
ganhando reputação de patriota e reformista. Wyclif afirmava que havia um
grande contraste entre o que a Igreja era e o que deveria ser, por isso
defendia reformas. Suas ideias apontavam a incompatibilidade entre várias
normas do clero e os ensinamentos de Jesus e seus apóstolos – o qual já
esboçava uma reforma.
Entretanto,
as críticas não vinham apenas das ilhas britânicas, dentro do próprio
continente europeu tivemos críticas, vindas da Itália, de Marsílio de Pádua
(1250 – 1345) – reitor da faculdade de Paris -
sustentando a supremacia do estado sobre quaisquer situações, inclusive a
igreja, em Defensor Pracis, de
Dante Alighieri (1265 – 1321), escritor, poeta e político italiano.
Em seu livro Da
Monarquia, defendeu o poder espiritual do papa, mas reservou o poder
político ao imperador. Em sua prática política, opôs-se ao expansionismo do
papa Bonifácio VIII, obrigado ao exílio por isso e da Boémia, de Johannes
Huss (1365 – 1415) – pensador e reformador
religioso. Ele iniciou um movimento religioso baseado nas ideias de John Wyclif. Seus seguidores ficaram conhecidos como os Hussitas. A Igreja
Católica não perdoou tais rebeliões e ele foi excomungado em 1410, condenado pelo Concílio de Constança, foi queimado vivo.
Podemos
ver que neste momento, começa a parecer uma das grandes marcas no homem neste
período e do início do renascimento, a dúvida, diálogo que se faz entre a
transcendência x imanência. Mas para contemplar e analisar esse diálogo, temos
que nos dispor de nossas concepções modernas, uma vez que compreender a Idade
Média apenas como um período histórico que separa a antiguidade clássica e
Idade Moderna não nos trás o que realmente foi esse período. Entretanto,
simplesmente deixar a Idade Média falar por ela mesma, como propõe José Monir
Nasser, em seu texto “A Idade Média por
ela mesma”, na revista LITERATURA
Conhecimento prático, seria recorrer ao mesmo erro de contemplar e analisar
este diálogo sem dispor de nossas concepções modernas, embora o texto de Nasser
nos traz boas colaborações.
Desta
dúvida, podemos começar com uma citação do historiador Johan Huizinga, de seu
livro O Outono da Idade Média:
Quando o
mundo era meio milénio mais jovem, todos os acontecimentos tinham formas
exteriores muito mais profundas do que hoje. Entre a dor e a alegria, entre a
desgraça e a fortuna a distância parecia-lhes maior que a nós parece. Todas as
experiências da vida conservavam esse grau de espontaneidade e esse caráter
absoluto que a alegria e a dor tem ainda no espírito das crianças. Todos os
acontecimentos, todo ato estava cercado de precisas e expressivas formas,
estava escrito num estilo vital rígido, porem elevado. As grandes contingências
da vida – o nascimento, o casamento, a morte – adquiriam com o sacramento
respectivo o brilho de um mistério divino. Mas também os pequenos
acontecimentos – uma viagem um trabalho uma visita – eram acompanhados de mil
bendições (Apud. LITERATURA Conhecimento prático n. 32 p. 20).
Tais
características ficam evidentes na arte Gótica, seja através das iluminuras ,
esculturas, os vitrais, que davam um ar decorativo às representações cristãs. Mas
o que mais representa essa dúvida é a arquitetura e a pintura. Dentre elas
podemos destacar a Catedral de Sainte Chapelle, que apresenta grandes torres e
estruturas pontiagudas, todas rompendo e rasgando o céu e tendo origem na
terra, como se pudessem ligar os dois mundos.
a pintura podemos notar que a figura do homem ganha uma grande importância, como podemos ver no quadro O Retiro de São Joaquim entre os pastore (1304 – 1306), de Giotto. Além da figura em destaque ser um santo, como pessoas de aparência comum, é incorporado na figura dos pastores, uma nova imagem em que o ser humano passa a ter de si. Observe como eles são grandes, tendo como referências o resto de elementos disponíveis no quadro. Tal imagem reflete na força que esse novo homem sente e que o torna capaz de muitas conquistas.
Podemos
ver através das artes a denúncia de um diálogo entre a transcendência e a imanência,
o que gera uma dúvida que trás sua principal característica: o confronto entre
a luz e a escuridão, a saúde e a enfermidade, o silêncio e o ruído, o divino e
o mundano, etc. É também neste período da Idade Média, que começa a surgir um
resgate do pensamento da Antiguidade Clássica, mais especificamente com Tomás
de Aquino, que irá introduzir e cristalizar o pensamento aristotélico não só na
doutrina cristã, mas em todo pensamento ocidental.
Confira nos vídeos abaixo as caracteristicas do homem no final da Idade Média.
“Diálogo de Antonius
Block com a Morte” tirado do filme
“O Sétimo Selo”
do cineasta sueco Ernst Ingmar Bergman.
Fontes:
ABRÃO, B. S. História da Filosofia. São Paulo: Nova cultural, 2004.
ABRÃO, B. S. História da Filosofia Da Antiquidade aos pensadores do século XXI.
São Paulo: editora Moderna, 2008.
PROENÇA, G. Descobrindo a História da Arte. São Paulo: editora Ática, 2005
LITERATURA Conhecimento Prático:
revista mensal de literatura. São Paulo: ed. Escala n. 322, ç. 66 p.
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